segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

O engatinhar da civilização


Quando moço, esse Deus do Oriente era ríspido e estava sedento de vingança: criou um inferno para deleite dos seus prediletos. Por fim, fez-se velho e brando e terno e compassivo, assemelhando-se mais a um avô do que a um pai, e até mais a uma avó decrépita. NIETZSCHE, F., Assim falou Zaratustra

Para falar a verdade, olhando a religião como um modo de acorrentamento da caverna de Platão, não se pode deixar de pensar que a humanidade como um todo tem uma certa tendência a gostar de ser mantida acorrentada na ignorância. BELLI, M. O Mito da Caverna de Platão e o Paradigma da Representatividade
Zaratustra denunciou a perversão pela qual a civilização ainda é traída. Ela se submete docilmente, mas uma doçura adjacente da mais falsa humildade. A ambição desmedida exige a mentira, mas o medo ainda mais, de modo que um mente ao outro.  "A ideologia cria uma 'falsa consciência' sobre a realidade que visa a modo de suprir , morder e reforçar e perpetuar essa dominação"(Wikipédia)
Os criadores de Deus bem introduziram na mente de todos que sua Entidade é a tudo e a todos superior, e assim, a precos módicos,  vem conduzindo mansamente a quase totalidade do globo. "O Demiurgo de Platão, o grande arquiteto cósmico, transformou-se no Deus cristão de Copérnico." (GLEISER, M., Criação Imperfeita: 54) A pessoa não tem a menor idéia como seria tão inimaginável poder, mas finge que acredita, assim enganando quem lhe rodeia, o qual se mostra de plano fiel a esses mais tradicionais preceitos, já lapidados já por milênios. Todos os fatos, narrativas, ou abodagens que pude constatar, nenhum deles destoa: a religião comete um pecado inimaginável, capital, sim, por decapitar todos os cérebros  em troca seu mais do que simplório artifício. A civilização vem levada a crer que existe o livre-arbítrio, e assim ela é embretada entre o certo e o errado, o que pode, e o que não pode, O fundamento distintivo vem tratado no âmago do ser humano: a alma, divina; o corpo, mundano. Eis a luta travada em maior ou menor intensidade por cada um de nós. As coisas do mundo, por pecaminosas, precisam ser contidas, e a história mostra com clareza ao que leva os pecados capitais muito bem elencados pela grei eclesiástica. Ela própria é exemplo e testemunha, nas fulgurantes participações primeiro do crápula Constantino, quiçá a performance mais brilhante de um poder imbuído de forças sobrenaturais, porque mentirosas, e por isso o absurdo foicapaz de engolfar um povo inteiro, ora quase o globo inteiro. E depois pelos papas renascentistas, os floridos florentinos treinados por Maquiavel. Pois o livre-arbítrio existe justamente para ao se designar o nefasto a massa seja conduzida ao bem do introdutor, não dela, massa, propriamente dita. Ela não vem ao caso, e assim o Ocidente vem empacotado.
Entre uma centena de cientistas que tem a coragem de enfrentar o monstro criado, e o São Jorge louvado, e sei lá quantas trilhões de pessoas que já passaram pela face da Terra é óbvio que o cotejo tem vencedor antes de entrar em tela, de modo que sendo uma questão de crença, e não de ciência, cada qual deve cultivar a sua. Apenas um detalhe: nenhuma crença é sua, porquanto ninguém  alcança tamanha imaginação. Para emulá-la inventou-se o Paraíso, e cada um tem o seu, de modo que fecha. 
Estamos no XXI, o da Maioridade, mas a civilização prefere permanecer engatinhando. Afinal, foi assim que ela começou a usufruir o mundo, e chegou até aqui. Apresenta-se, pois, desta feita ainda mais infantil, por alienada, Que adianta trilhões e trilhões a trilharem o mesmo rumo? Neste caso bastaria Adão e Eva e fim!
Mas, dizia, ainda na adolescência fora alertado, de modo que facilmente me livrei desses barbantes. O mesmo não se sucedeu, entretanto, com relação ao seu desdobramento cívico - a instituição da Lei, e da Justiça correspondente, já que a Divina é programada mais ao post mortem.
As primeiras histórias das instituições foram histórias do direito, escritas por juristas que com freqüência tiveram um envolvimento prático direto nos negócios do Estado. BOBBIO, N. 1987: 54
Pois os criadores de Deus não seriam os mesmos artífices? Por acaso, sim! Não viso enquadrá-los, todavia, neste instante. Mister discorrer sobre os dois temas - o segundo demonstrado quase que matematicamente como expressão do primeiro. Seria o Direito também dispensável? Uma sociedade que se afirma civilizada poderia se manter desprovida das amarras religiosas, e, para completar, fora de um Estado de Direito? Estado de Direito, a meu ver, são todos constituídos.  Em Cuba não se pode dizer que haja Estado de Direito; no entanto, a Nação cumpre as leis impostas, de modo que para os cubanos não só há o direito, como sérias penalizades para quem ousar desdenhá-lo, tanto quanto na Venezuela do companheiro Chávez.
Com efeito, hoje sabemos que o direito está imerso numa atmosfera ideológica e a teoria geral do direito, empenhando-se em abstrair este aspecto do direito, só pode falsear as perpectivas e, com isso, fica, por sua vez, sujeita à acusação de ser mais ideologia do que ciência. PERELMAN: 621
Os criadores do Direito introduziram na mente de todos que Leviathan deve ser superior a qualquer cidadão. Cabe-lhe, pois, definir ao incauto o que deve fazer, e o que não deve. 
Em termos religiosos, este tratamento do indivíduo, considerado simplesmente como parte da comunidade, é uma negação da relação pessoal entre a alma e Deus e uma substituição do culto de deus por um culto da comunidade humana - o Leviathan, isto é, a repulsa ao isolamento que está onde não devia estar. O culto do Leviathan é uma enormidade moral, (no sentido de um grande absurdo ou de uma anomalia moral) mesmo em sua forma mais nobre ou suave TOYNBEE, A.,Estudos de História Contemporânea - A civilização posta à prova : 219. 
Para Michaël Zöller, sociólogo alemão da universidade de Bayreuth, o que se chama de Estado é certamente um sistema de interesses pessoais organizados, uma Nova Classe. Como todos nós, sua ambição é aumentar a remuneração e a autoridade. Como classe, ocupam-se, pois, a desenvolver seus poderes, suas intervenções e sua parte no mercado, isto é, a apropriação pelo setor público dos recursos nacionais, operada através do imposto sobre a sociedade civil. SORMAN, G. :74
Temos trabalho dobrado pela frente:  
O terceiro princípio vital para a política do amanhã visa a quebrar o bloqueio decisório e colocar as decisões no lugar a que pertencem. Isso, que não é simplesmente um remanejamento de líderes, e o antídoto para a paralisia política.É o que chamamos de ‘divisão de decisão’. CHARDIN, Teilhard, cit. FERGUNSON, N.: 48

Nenhum comentário:

Postar um comentário