sexta-feira, 30 de julho de 2010

O dilema da materialização


A visão materialista estabelece: mais dinheiro=vida melhor. Porém, tendo adquirido mais e tendo descoberto que o vazio permanece, a conclusão da premissa materialista está errada.
ARNTZ, W.: 30
Quando o visível acarreta frustração, o desconforto recrudesce, e aproxima os riscos do incremento ou da inversão. A radical contempla HADES, em renúncia à própria Terra, mas o paradoxo, além de nada preencher, constantemente se faz trágico.
Em nome do progresso humano, Marx provavelmente causou mais mortes, miséria, degradação e desespero que qualquer outro homem que já tenha vivido. DOWNS, ROBERT BINGHAM: 101
Tentar a mescla por virtude? Missão impossível: ou o composto não sai do lugar, posto centrado, ou a experiência se esfacela por cisão heterográfica. Os componentes não são metais, que se fundem. Ambos estigmatizam o excedente da pauta. Contraditórios excludentes. Pronto.
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O asceta passa um sacrifício extremado para tudo desdenhar, porque tudo passa. Resta-lhe, pois, um nada, o nirvana à espera de completude. Os bilhões de filhos de SÓCRATES & PLATÃO concordam plenamente: o ser humano só se realiza quando atinge o sete-palmos, place que a astúcia propalou como Paraíso. E como prova de que a glória só vem depois da morte, os religiosos juntaram uma dúzia de testemunhas a favor, e nenhuma contra, todos relatando o extraordinário feito do homem mais sacrificado da face da Terra.
O protestantismo emerge pelo lapso. Seus porta-vozes apregoam que não é necessário nascer em estábulo, nem viver como franciscano. Para usufruir da abundância e proporcionar melhor berço aos filhos, eles aconselham o trabalho, mas parece até meia-verdade: os celestiais enriquecem sem exercer profissão, enquanto o ouvinte trabalha muito para lhes sustentar.
Mas, afinal, DEUS se assumiria materialista comunista ou capitalista? Ou nada disso, muito antes pelo contrário, seja lá onde este contrário estiver?
Emular a ambição pode ser má conduta, estrada condenada pelo próprio Invocado:"É mais fácil um camelo passar pelo buraco da agulha do que um rico entrar no reino dos céus." Com tamanha restrição, onde alojar os pregadores dessas mensagens? Qual destino conviria ao pessoal do Vaticano, riquíssimo em ouro e obras de arte? E da Europa inteira, da América do Norte, agora até da China, ninguém mais passará pelo buraco? Não; desse modo também não dá. Pode até ser em sentido figurado, parábola, metáfora, ou sei-lá como definir; mas que é exagero, não resta dúvida - jamais qualquer camelo passará por buraco de agulha. Nem filhote.
A cultura medieval superior floresceu porque o povo seguia a visão da cidade de Deus. A sociedade moderna floresceu porque o povo foi vitalizado pela visão do crescimento da Cidade Terrena do Progresso. Em nosso século, porém, esta visão deteriorou-se no que foi a Torre de Babel, que está agora começando a ruir e em última análise sepultará a todos em suas ruína. Se a Cidade de Deus e a Cidade Terrena foram tese e antítese, a única alternativa para o caos é uma nova síntese. FROMM, E., 195
Quo vadis? Se a carência é total, mas a busca pela satisfação é taxada insana, como escapulir do brete? Existe alguma panacéia capaz de arreferecer a ansiedade aviltada por qualquer quadrante que se escolha? A realidade seria miragem, fruto de potência patológica? Para onde mirar, se qualquer alvo é tão efêmero quanto a ilusão? E se o olho engana, não deveríamos mesmo arrancá-lo, como sugeriu venerado mestre? É possível isso, ou seria mais uma tentativa infrutífera, e pior, abrindo um buraco muito maior do que se pretendia tapar? Quem sabe então sentar no jardim de alguma acrópole, para admirar os lírios do campo, ou quiçá no embalo de uma rede nordestina, apenas para divisar a inexorável marcha do tempo, já que nada nos resta fazer, além de pensar, comer, caminhar, e descansar?
Há quem junte o útil ao agradável. Aos afortunados não interessa ser, nem ter - apenas curtir:
"Dos lugares das viagens missionárias de Paulo, visitaremos Efésio, Tessalonica, Corinto, Athenas, Berea, Filipos, Roma, Óstia."
É turismo exuberante, mas não way of life. Apraz-me-ia o contorno à cata de alguma concha que me assoprasse a razão das sapiências em transformar o real paraíso em quase perene praça-de-guerra.
Em algum ponto perdido deste universo cujo clarão se estende a inúmeros sistemas solares, houve uma vez um astro sobre o qual animais inteligentes inventaram o conhecimento. Foi o instante da maior mentira e da suprema arrogância da história universal. NIETZSCHE, F.W., cit. MATOS, O., A polifonia da razão, 1997:134.
Pouco adiantou contarem estrelas, desenhá-las conforme algum elemento já visto, tipo balança, peixe, touro, ou bode. Ato per se inútil, falho par excellence. Não constitui o maior prejuízo estar hospedado no planeta, ponto mais caro do Universo, único resort instalado na negritude cósmica, e com tudo isso voltar a atenção, perder o enfoque em troca de prescrutar o inexpugnável? Se a matéria disponível ou realizável pela mão da gente não preenche nem oferece a tranquilidade almejada, de que modo a mais completa abstração, o etéreo instável e inacessível, poderá servir como rosa-dos-ventos à nossa jornada?
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À bordo da Nave prosseguem as controvérsias, respeitosas, é claro, porém causando distúrbio na missão. O som vem com ruídos e interferências de todo o lado, e as asas arriscam descompasso. Nenhuma informação chega isenta na cabine. Tamanha febre exige paliativo importado. Foca Lisa zarpou com meia esperança de encontrar uma valência, e retornou com um conteiner de possibilidades.
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